Carta a Minha Filha
Dois presentes de amigos queridos me ajudaram a escrever este texto (Julho 2023 - parte 3)
Em 2011, ganhei um lindo caderno de capa de couro e páginas envelhecidas, vindo da Itália. Um presente especial dos meus amigos Ton e Dani, com uma dedicatória carinhosa. Decidi guardá-lo, esperando o momento em que eu tivesse algo realmente especial para escrever naquelas páginas. Os anos passaram e o caderno me acompanhava para onde eu fosse. Até que, 10 anos depois, veio o nascimento da Hanatea e com ele a certeza que deixar registrado aquele novo momento seria uma das coisas mais significativas.
Aquelas páginas em branco, agora ainda mais envelhecidas, se transformaram na primeira “Carta a Minha Filha”.
Decidi que aquele caderno se tornaria o diário dos primeiros dias de sua vida. Mesmo exausta pela rotina com uma recém-nascida, eu me esforçava para escrever sobre nossa nova vida e os sentimentos que sua chegada despertava em mim. Apesar da privação de sono, eu registrava cada momento.
Infelizmente, a realidade foi mais dura do que eu esperava. Quando ela completou nove meses, com as visitas e a rotina acelerada, escrever se tornou impossível. Fui adiando, gravando áudios para mim mesma, tentando registrar como havia sido o dia, na esperança de encontrar tempo para escrever depois.
O tempo passou, e o caderno, com suas cartas, relatos e notas diárias, parou nos nove meses de vida da minha primogênita. Registrei esse tempo que me fez alcançar uma nova dimensão de humanidade. A ideia é que esse caderno, escrito à mão, seja um presente para a Hanatea, quando ela for capaz de entender a sensibilidade de uma “carta” manuscrita em um mundo tão digital.
Imagem criada pela autora - Diário Materno
Ser mãe de dois. O amor no coração se multiplica, mas as horas de sono... ah, elas diminuem, se dividem e, muitas vezes, desaparecem.
Na preparação para a chegada do Kaléo, eu não imaginava o quão desafiadora seria a gestão do tempo. Naturalmente otimista, isso às vezes joga a meu favor, outras vezes contra. Tive a ousadia de comprar outro caderno, ainda quando morava no Taiti, com uma linda capa cheia de desenhos em alto relevo.
Coloquei o caderno carinhosamente na bolsa da maternidade. Mas, obviamente, nunca escrevi uma única palavra nele. Isso gerou um sentimento de frustração — uma constante desde que me tornei mãe de dois — a pressão de fazer para o segundo o mesmo que fiz para o primeiro.
E esse sentimento só cresce, como uma bola de neve.
Como não criar um presente tão especial para o Kaléo? A frustração não ajudava em nada — o dia só tem 24 horas, e não há como encaixar mais uma tarefa que exija tanto tempo. Adivinha? Eu também precisava dormir.
Foi então que o segundo presente chegou pro meu aniversário de 2022. Ganhei da minha amiga Kellen o livro “Carta a Minha Filha”, de Maya Angelou. Decidi começar a leitura no início da amamentação do Kaléo, e, surpreendentemente, consegui terminá-lo no primeiro mês. Depois disso, as mamadas ficaram mais dinâmicas, e não consegui ler mais nenhum livro enquanto amamentava. Mas apenas ele me bastou naquele momento, pois me deu uma nova perspectiva sobre como registrar as minhas memórias.
Percebi que precisava refletir sobre os ensinamentos que quero deixar para os meus filhos. O livro me libertou da ideia de que eu devia escrever todos os dias, com cada detalhe, já que os 28 relatos de Maya, sobre momentos significativos de sua vida, não seguem uma ordem cronológica. Essa foi a inspiração que eu precisava. E, no mesmo dia em que terminei o livro, criei meu primeiro post aqui no Substack.
Maya Angelou, uma das vozes mais poderosas na luta pelos direitos civis e igualdade, dedicou “Carta a Minha Filha” a todas as mulheres, suas filhas adotivas ao redor do mundo.
Fazendo uma autoreflexão, percebo que aprendi muitas lições que desejo transmitir. Existem também situações difíceis que, se pudesse evitar para meus filhos, eu evitaria. Claro, eles terão seus próprios desafios e cometerão seus erros, mas espero que sejam diferentes dos meus e que possam aprender de forma mais leve — talvez esse seja o sonho de toda mãe.
“Você não pode controlar todos os fatos que acontecem em sua vida, mas pode decidir não ser diminuída por eles. Tente ser um arco-íris na nuvem de alguém. Não se queixe. Faça todo o esforço possível para modificar aquilo de que não gosta. Se não puder mudar algo, mude a maneira como pensa. Talvez você encontre uma nova solução.”
Maya Angelou (Carta a Minha Filha, 2008)
Mesmo diante das dificuldades, podemos escolher não nos deixar abater e continuar com força e resiliência. Maya compartilha sua experiência como mãe, tendo tido seu filho aos 17 anos, e como aprendeu a amá-lo sem tentar possuí-lo, permitindo que ele crescesse livre. Quero que meus filhos se sintam seguros, mas também que sejam livres para explorar o mundo e encontrar suas próprias identidades.
“Numa cultura que não nos é familiar, é sábio não propor inovações, sugestões ou lições. O epítome da sofisticação é a absoluta simplicidade.”
Maya Angelou (Carta a Minha Filha, 2008)
Maya Angelou também destaca o conceito de valor. Ela nos lembra que o que é importante para uma pessoa pode não ter o mesmo significado para outra, dependendo do contexto em que vive.
Essa é uma verdade com a qual lido diariamente.
Vivendo longe do meu país de origem, em uma outra cultura, tenho aprendido a respeitar as diferenças e a não medir os outros pela minha própria régua. Isso, inevitavelmente, me coloca em uma posição de empatia, permitindo-me conviver e compreender que cada um carrega sua própria bagagem e perspectivas.
As lições de Maya Angelou sobre verdade, humildade, generosidade e coragem são essenciais, pois mesmo nas adversidades, sempre há uma oportunidade para crescer e se fortalecer.
Imagem criada pela autora - Leitura do Livro “Carta a Minha Filha”
Em um momento do livro, Maya Angelou relata — para mim, o relato mais forte — como procurou ajuda psicológica para evitar tirar a própria vida. Não encontrou profissionais capazes de compreender a dor de uma mulher negra, mãe solo e pioneira de seu tempo. Foi um simples bloco de notas amarelo que a levou a colocar no papel tudo o que passava por sua mente. Essas anotações se tornaram a base de todos os seus futuros livros.
Ao terminar a leitura, fiquei com a certeza de que este é um livro para todos que desejam deixar memórias e um legado — seja para nossos filhos biológicos ou não. Maya Angelou não nos oferece respostas, mas nos conduz a refletir sobre as perguntas certas — aquelas que nos ajudam a construir o caminho que queremos trilhar e os valores que desejamos deixar para as próximas gerações.
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Por que este texto foi mencionado como "Julho 2023 - Parte 3"? Porque ele foi um dos rascunhos que ficou ali, quase pronto para ser enviado, mas que acabei não finalizando. É a terceira parte que explica por que iniciei este projeto de escrita.
Link:
Resumo sobre quem foi Maya Angelou - Brasil Escola
Até a próxima!
Jussara Peybernes
Oi Jussa! Fiquei muito feliz em saber que aquele presente de 2011 teria um destino tão especial de guardar algo tão importante para a Hanatea. Um beijo enorme pra vocês!
Ufa...só agora consegui ler...mas, pra variar, um texto leve, que fala de situações bem pesadas, que nunca experimentei, como a maternidade, no sentido biológico da palavra...mas é disso mesmo que o texto fala, né...de experiências que preferi evitar rsrs...mas, com certeza, vc, como em tudo na sua vida, até onde sei, tá tirando de letra, fazendo o caminho de volta, de volta pra função que só as mulheres conseguem desempenhar...ser mãe / esposa / dona de casa ...muito se tem falado sobre isso...e tenho entendido melhor esta perspectiva...a mulher PODE, mas não TEM QUE "trabalhar fora" (e "dentro"!)... é uma opção dela e só dela, sem que ela tenha que se importar com o que o "manual da mulher moderna" dita...a mulher moderna, de fato, é livre pra optar! Beijo, Ju, Lilian , Hanathea e Kaléo.